segunda-feira, 19 de outubro de 2009

"Diz não a uma seringa em segunda"

Em 1993, a Comissão Nacional de Luta contra a SIDA era presidida pela Dra Odete Ferreira, brilhante farmacêutica e investigadora. Nesse ano, esta Comissão desafiou a Associação Nacional de Farmácias e as farfmácias suas associadas a um maior envolvimento na luta contra a SIDA. O desafio resultou no Programa "Diz não a uma seringa em segunda" que consistia na recolha, nas farmácias, das seringas usadas levando os toxicodependentes um kit contendo, na altura, 1 seringa, 1 preservativo e toalhetes desinfectantes. O objectivo era prevenir a transmissão endovenosa e sexual do VIH na população toxicodependente, evitando a partilha de seringas e o sexo sem protecção, bem como a defesa da saúde pública evitando o abandono de seringas usadas. Ao longo do tempo foram também criados postos móveis de troca de seringas bem como a troca em organizações não governamentais que trabalham na área. Entre Outubro de 1993 e Dezembro de 2004 foram recolhidas cerca de 32.846.581 seringas usadas sendo esta, provavelmente, uma das maiores acções de saúde pública do país e foi um programa pioneiro na Europa.
Hoje em dia, o kit traz 2 seringas, 2 toalhetes embebidos em álcool a 70º, um preservativo, uma ampola de água bidestilada, um filtro, duas caricas, duas carteiras de ácido cítrico e um saco com informação, enfim a constituição do kit foi sendo aumentada mas o procedimento continua a ser o mesmo, o toxicodependente entrega 2 seringas usadas e recebe um kit. Infelizmente, tudo o que é gratuito começa a ser desvalorizado, ou por outra, os toxicodependentes, que são tão doentes como os diabéticos ou os hipertensos, consideram que a troca de seringas constitui apenas um direito sem deveres. Cada vez mais se geram situações tensas, ou querem comprar, ou querem um kit sem levarem seringas usadas ou pior ainda compram 2 seringas novas e colocam-nas no contentor para lhes ser dado um kit. Eu, que sempre me esforcei para ser tolerante, começo a ficar farta destas situações. Sempre achei que este era um excelente programa de saúde pública com benefícios para todos e não só para alguns. Canso-me a explicar-lhes como é que o programa funciona mas não adianta que eles não ouvem nada nem ninguém. E estas situações são cada vez mais frequentes desde que os kits passaram a incluir ácido cítrico e as caricas uma vez que eles dizem, frequentemente, que precisam do material que vem lá dentro. A meu ver, desvirtuou-se a génese do programa, os toxicodependentes cada vez se preocupam menos em levar as seringas usadas. Quantas vezes tenho vontade de recusar dar o kit mas cedo para me defender e defender a segurança dos outro utentes. E a tolerância que tinha quando comecei a trabalhar é cada vez menor...


O texto é longo mas há dias em que este assunto me tira do sério.

(imagem retirada da internet)

3 comentários:

Jorge Freitas Soares disse...

Curioso como há temas que passam ao lado da sociedade, a troca de seringas é um assunto tão banalizado que terminamos por achar que funciona bem e já está.

Se calhar está na altura de alguém olhar para este assunto e voltar a repensar o programa.

Obrigado por falares nisto.

Jorge

Almofariza disse...

E o que mais me irrita acima de qualquer coisa, são os toxicodependentes, acharem que têm o direito de ultrapassar os outros utentes na Farmácia. E quando não os mandam aguardar pela sua vez começam logo a criar conflitos!

É como eu costumo dizer... Um favor concedido duas vezes seguidas à terceira

Almofariza disse...

.... à terceira passa de favor a obrigação!

( Interrompida para ir efectuar uma troca, mas não de seringa, o que até teria a sua piada, heheheh)

Almofariza

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