quarta-feira, 10 de novembro de 2010

"O Bom Inverno", de João Tordo

Este já é o segundo livro que leio do João Tordo. O primeiro foi o "Três Vidas", romance premiado com o Prémio Literário José Saramago. A mim parece-me que foi prematuro atribuir o prémio naquela altura. "O Bom Inverno" é muito melhor do que o "Três Vidas". João Tordo conta histórias fabulosas e verdadeiramente surpreendentes desde às personagens, ao enredo, às soluções que ele arranja quando a história está muito complicada para desenrolar a trama. A história gira em torno de um escritor frustado e hipocondriaco que, depois de participar numa conferência de literatura em Budapeste, viaja até à Itália e envolve-se involuntariamente numa assustadora "história carregada de suspense, em que o amor e a literatura se misturam com sexo, crime e metafísica". João Tordo está a tornar-se um caso sério da literatura portuguesa da actualidade.


Só para abrir o apetite:

"Pusemos o homem dentro do cesto do balão e deixámo-los desaparecer no céu pálido do Lácio. Foi um momento dramático e, se não houvéssemos caído naquele torpor pesado e ruminante que de nós se aporedou, alguém teria erguido um braço para, por entre lágrimas ou sorrisos, acenar um último adeus a Don Metzger. Foram precisos oito braços para tranportar o corpo do carro até à gôndola de verga, junto da qual o sinistro Bosco havia, com a ajuda do fiel Alípio, insuflado de ar frio o envelope de nylon preto, a grande ventoinha ensurdecendo aquele dia tão fúnebre. Acomodámos Don denro da gôndola o melhor que pudemos - tanto quanto era possível acomodar um gigante - e depois, com um gesto de amor que chegou a parecer cruel, Bosco abriu a válvula de propano e acenceu o maçarico, as chamas incendiaram o ar e ergueram a gôndola do chão como se a carregassem na palma de uma mão invisível. Era ainda muito cedo naquela manhã e Donjá partia em direcção ao ininito, onde conjuntos de nuvens em vários tons de cinzento, banhadas por um sol melancólico, avançavam lentamente em direcção à montanha, sobrevoando-a como anjos coléricos que trouxessem o prenúncio de tempos terríveis."

1 comentário:

Tiago M. Franco disse...

Também gostei. O enredo está muito bem contado, mas confesso que gosto mais de livros que questionem um pouco mais as coisas. Parece ser um livro a pensar numa adaptação ao cinema.

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